sábado, 26 de dezembro de 2015

Senhor dos Mares


Ele veio do mar,  duma cidade de praia, distante, em Portugal.
Ele conhecia as histórias do mar.
Sabia canções, de barcos e velas, de animais e toda espécie de vida marinha.
Por causa dele, atravessei o Atlântico, no ventre da minha mãe, para nascer brasileira.
Nasci na cidade mais bela, Rio de Janeiro. Graças a ele sou carioca da gema.
Minha infância com ele foi repleta de mar.
Com ele, brinquei em pocinhas na praia, catei conchinhas, fiz castelos de areia.
Com ele aprendi a ouvir o som do mar que se esconde dentro das conchas.
Gargarejei água de mar com ele, gostei da água, do sal, do sol...
Aprendi a boiar no mar apoiada em seus braços.
Lembro de ir no seu colo, aonde eu não dava pé.
E não havia medo.
Eu estava com o meu Senhor dos Mares!
Adorávamos quando chovia e estávamos no mar.
Ríamos da mistura salgada e doce, do mar e da chuva.
Vento forte, trovoada, águas mais agitadas, não temíamos.
Adorávamos!
Sempre ele e sempre o mar.
Ele me ensinou a reconhecer as estrelas e as fases da lua.
Aninhada em seu colo na rede, sentia a brisa e ouvia o bater das ondas.
Ele me contava a história do fundo do mar, que não tinha fim.
Era a história mais linda!
Só ele sabia.
Essa história embalou minha infância.
Eram tantos personagens e rimas.
Nunca era igual e nunca chegava ao fim.
Eu sempre dormia antes...
Faz 23 anos que ele se foi.
Deve ter voltado pro mar...
Pra onde eu vou, um dia.
Dentro de mim habitam o mar e ele.
Me sinto sereia, não vivo sem as águas.
Coleciono conchas.
Adoro a sensação dos pés não alcançarem o chão.
Amo estrelas e tempestades.
Ainda hoje tento colar os fragmentos que ainda lembro da história que não terminou.
Tanto amor não foi em vão.
Sem ele e longe do mar, as lágrimas são o sal que me restou...

(Para o meu Pai, meu Senhor dos Mares)
Charmene